O vento acariciava meu rosto, meus cabelos eram lançados para trás com
delicadeza. A seda do vestido tocava meu corpo, brincando com a minha pele a
cada brisa.
Abri meus olhos devagar e olhei para baixo. Minha
respiração foi falhando na medida em que eu descia por cada andar com os olhos.
Quarenta ao todo. Deslizei meus pés pelo parapeito, sentindo o cimento frio.
Fechei os olhos novamente.
Amar um demônio fora o pior de todos os meus erros, condenando-me a morte.
Não se pode amar um ser feito de ódio, um ser que vive do terror alheio,
contudo, eu fui tola ao ponto de amar um.
Ela invadiu minha vida, tomando-a para si no segundo seguinte. De uma
forma brutal e confusa, ele me mostrou como o amor pode ser doentio. Não posso
dizer que me arrependo, eu tive escolhas e escolhi me doar completamente a ele.
Doar minha alma.
Meu coração estava calmo, tranquilo. Não me importava com as
consequências. Tudo teria um fim, o sofrimento, a dor, o amor... Nesse momento
ousei hesitar.
“Tudo vai melhorar.” A voz rouca dele acariciou minha pele. Seus
lábios tão próximos da minha orelha. Seu corpo a centímetros do meu.
Meu coração golpeou com força o meu peito. Uma certeza tomou conta
de mim. A certeza do fim.
Antes de me entregar as chamas do inferno, que consumirão minhas
lembranças, meus sentimentos, me livrando dessa dor surreal. Ousei virar o meu
rosto, encarando-o.
O terno cinza sobre a pele morena.
Mergulhei nos olhos negros, deixando a certeza que eu o amava me
afogar. Meu coração gritando enquanto admirava a expressão de dor no rosto
perfeito. Tentei sorrir, para mostra-lhe que estava feliz, em vão. Meu rosto
estava congelado, junto com o resto do meu corpo. A única parte de mim que
ainda brigava, era o meu despedaçado coração.
Virei-me, olhando a avenida movimentada, vendo os carros cortarem o
silêncio. Respirei pesadamente e então me lancei.
Quarenta andares. Poucos segundos. O fim. Tudo estaria acabado.
Meu corpo já estava jogado no ar, sentia o toque delicado do
vento. Eu havia mesmo desistido de tudo por um demônio. Encarei o fim como a
melhor solução, a única que me faria esquecer a dor de um amor errante.
Prendi a respiração, sentindo a proximidade do asfalto quente, foi quando
senti seu toque em meu braço, acompanhado de uma rajada de vento de sentido
contrário e o som do bater de asas. Senti seu corpo abraçar o meu.
Minhas mãos se lançaram em seu peito dilacerado. Senti
meus pés tocando novamente o cimento frio do parapeito. Minha face sendo
acariciada pelas mãos deformadas. Afastei minha face vagarosamente, para
poder encará-lo sem deixar nossos corpos se separarem.
“Não precisa.” As palavras tocaram meu rosto com o calor de sua
fala.
Olhei a face que há segundos estava perfeita, agora carregava as marcas do
sofrimento. Cortes profundos demonstravam o quanto ele agonizou. O quão
terrível pode ser o inferno.
Meu coração chicoteava meu peito enquanto as asas dilaceradas me
envolviam. A cor negra das asas não me incomodava. Era seguro. Encostei-me
novamente em seu peito, as cicatrizes deixadas pelas diversas
queimaduras aranhavam minha face.
Seus braços me afastaram aos poucos. Vi-me presa novamente em seus olhos.
Seus lábios tocaram os meus. O calor, o gosto de enxofre. Um segundo. E quando
eu os abri novamente, estava sozinha. Novamente sozinha.
O vento brincando com o vestido, desarrumando meu cabelo. Um grito
se formou no meu peito, esmagando-o. O grito arranhou minha garganta escapando
pela minha boca, junto com um turbilhão de lágrimas.
Ainda conseguia sentir os lábios demoníacos tocando os meus. Nesse momento
tive a certeza: ele já me matou. No momento em que surgiu na minha vida. Agora
só me resta viver a morte.