A porta estava trancada. Tive certa dificuldade em encontrar
as chaves no bolso da calça.
Arranquei os óculos e fiquei parado no portal
enquanto meu olho direito se acostumava com a falta de iluminação. Minha cabeça
doía e rodava ainda mais. Peguei dois comprimidos de paracetamol na segunda
gaveta do armário da cozinha e uma garrafa pela metade de conhaque na
prateleira de cima. Enquanto tomava os comprimidos com o líquido marrom notei
que a mesa não estava posta. Sophia não havia tomado café.
Sorvi mais um bom gole de conhaque antes de entrar no
quarto. A garrafa por pouco não soltou de minha mão quando avistei a cama vazia.
Ela não estava em casa. Mais um gole e um olhar de relance sobre o criado mudo
vazio ao lado da cama. Ela sempre deixava o livro que estava lendo pousado ali.
Me virei bruscamente para encontrar uma estante com apenas um troféu de futsal
e um cinzeiro. Os livros dela não estavam ali.
Meu coração palpitou e eu levei a garrafa a boca. A imagem
do rosto dela banhado em lágrimas me encarando na noite passada me acertou
junto com sua voz estilhaçada: Se você
sair por essa porta eu vou embora! Vai ser como se eu nunca estivesse existido!
Minha mão encontrou espaço entre o
compensado da estante a parede mal pintada. Tudo veio ao chão. Um chute. Depois
outro. Mais um. Uma lágrima. Senti meus dedos dos pés doloridos e dei mais um
chute. A estante estava despedaçada e minha garganta seca. Mais um longe gole.
Sentei na cama encarando o guarda-roupas. Temi que ele
também estivesse vazio. Foi preciso mais dois goles para a coragem surgir e eu
abrir as portas de madeira. Poucas peças masculinas existiam no interior do
armário. Soquei com toda minha força a porta. Esfolei os nós dos dedos e
gargalhei. Mais um gole e me joguei na cama.
Os lençóis exalavam um cheiro de amaciante e não o perfume
doce de Sophia. Ela havia trocado a roupa de cama. Agarrei o travesseiro e
inspirei o mais fundo possível. Nenhum vestígio de seu cheiro. Como se eu nunca estivesse existido. Nunca
existido. Nunca. Levantei-me de forma brutal e a tontura me acertou como uma
marreta. Esperei se amenizar e retirei todos os lençóis do armário. Nenhum
tinha o cheiro dela.
A garrafa pendia vazia em minha mão enquanto caminhava até o
banheiro. A pia estava vazia. Todos os seus cremes e maquiagens tinham
desaparecidos. Nem os fios de cabelos que ela deixava no ralo após o banho
estavam lá. Joguei a garrafa contra a parede de azulejos azuis e deixei o
banheiro. Como se eu nunca estivesse
existido. Nunca. Nunca. Nunca. Nunca existido. Soquei a parede e olhei
apreensivo para a bancada. Um chip de celular partido ao meio. Chorei. Chorei
como uma criança. Ela havia me deixado. Nunca
existido. Meu corpo dominado pelo álcool escorregou até tocar o chão.
A consciência escorria de mim vagarosamente. Fechei os olhos
para reabri-los imediatamente. Uma voz doce ecoava ao longe: Daniel? Está em casa?
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